Imagine que você tivesse planejado uma casa, decidido em comum acordo com sua parceria toda a arquitetura. E, no dia que vocês fossem visitar a casa quase pronta, a parceria se recuasse e, sem mais nem menos, impusesse condições diferentes das quais havia combinado e até gostado. E pior: insinuasse que poderia não querer morar mais na residência se suas novas exigências não fossem atendidas. Detalhe: a casa estava bonita e novinha.
Esta parábola do início desta matéria serve bem para ilustrar o comportamento da diretoria do Banrisul, por seus representantes, naquela que chamamos de Superterça, 12/1, reunião entre a Comissão de Negociação do Comando Nacional dos Banrisulenses e representantes da diretoria do banco. Não foi apenas frustrante. Os recuos podem ser comparados à declaração sobre quando começa a vacinação contra a Covid-19. O governo Bolsonaro não disse quando, mas no Dia D e na Hora H.
Os quatro itens apresentados pelos negociadores do Banrisul como fundamentais para a finalização do acordo frustraram os representantes dos Banrisulenses na mesa de negociação. Uma nova reunião foi marcada para a terça-feira, 19/12.
Os dirigentes da Fetrafi-RS, de Sindicatos do Interior, de Florianópolis e do SindBancários registraram suas indignações durante a reunião temática por videconferência, rejeitaram de pronto as mudanças propostas e esperam resposta breve dos negociadores sobre o recuo que chegou a ser chamado de “absurdo” em relação à reunião anterior. E o que seria uma reunião para ajustar termos da redação de um acordo coletivo já alinhavado, tanto do teletrabalho quanto do ponto eletrônico, terminou em frustração e numa sensação de perda de tempo.
Basicamente, o banco apresentou quatro itens com as mudanças propostas para o teletrabalho. Vamos a eles.
1) Depois de firmar compromisso de definir que o trabalho presencial deveria ser de quatro dias por mês para quem optasse ou um dia por semana, o banco mudou de posição. A proposta dos dirigentes sindicais é que o funcionário não fique esquecido e possa ter contato com seus colegas para manter vínculos. O banco agora voltou atrás nessa ideia. Quer ele mesmo decidir quantos dias de trabalho presencial mínimo o colega terá que cumprir. É o fim do espírito da cláusula protetiva.
2) Lembremos que o banco, na reunião anterior, apresentou proposta de pagar retroativamente a ajuda de custo de R$ 80 dos meses de novembro e dezembro. O Banrisul também propôs adiantar a semestralidade da ajuda de custo, depositando R$ 480 na conta de cada Banrisulense em home office ainda no mês de janeiro. Mas o que era calculado em mês e semestre passou a ser visto dia a dia. E o banco apresentou proposta de pagar a proporcionalidade. Quer dizer, receber os R$ 80 cheios vai depender dos dias que o colega trabalhou de forma presencial ou em casa. Para fazer o cálculo do desconto, segundo a proposta do banco, basta dividir R$ 80 (valor da ajuda) por 30 (dias do mês). O resultado deve ser multiplicado pelo número de dias trabalhados pelo colega. Se forem cinco dias de trabalho presencial no mês, deve-se multiplicar R$ 2,66 por 5. Se o banco determinar que o colega trabalhe cinco dias no mês de forma presencial, ele terá R$ 13,30 descontados. Com todo o respeito ao banco, trata-se de mais um “troco de pinga” como foi dito na mesa de negociação da campanha salarial 2020 quando o banco quis retirar a 13ª cesta do ACT 2020-2022.
3) O banco aceitou incluir cláusula em que assume o compromisso de fornecer os equipamentos necessários para que o Banrisulense pudesse realizar seu trabalho em casa. Houve reunião específica para tratar de mobiliário e de equipamento de informática. O banco chegou a detalhar questões ergonômicas e formas de facilitar a chegada de cadeira para os colegas e como comprar notebooks para entregar na casa de quem está trabalhando. Agora, mudou de intenção. Quer incluir o trecho “a seu critério” na cláusula relativa aos equipamentos eletrônicos. Isso torna a cláusula mais subjetiva.
4) O banco também insiste em uma questão que os dirigentes sindicais batem pé. Os representantes da diretoria do Banrisul querem incluir uma cláusula de quitação judicial. O banco quer evitar qualquer risco de judicialização por eventual prejuízo que algum colega possa ter tido desde que entrou em home office em 17 de março. Os dirigentes não veem necessidade de incluir cláusula de quitação, uma vez que os colegas já estão pagando mais por insumos como energia elétrica por conta do uso de equipamentos em casa e sem receber ajuda de custo.
Para o diretor da Fetrafi-RS, Fábio Alves, a reunião da terça-feira, a Superterça, abalou os alicerces da construção de um trabalho de mais de três meses. E o que é muito grave também: ficou no ar um cheiro de que a diretoria do banco quis jogar nas costas dos dirigentes o desgaste de uma nova rejeição para colar a imagem nos dirigentes de radicais que não aceitam nada.
“Não ter a compreensão do todo é ruim. Fica inaceitável fazer a discussão do teletrabalho. Da mesma forma que o banco muda o caminho no meio do debate, vamos ter que reconstruir o nosso entendimento. A direção do banco mostrou má vontade e parece que não quer fazer um acordo coletivo de teletrabalho. Andamos um belo caminho e chegamos ao lugar errado. Além de mudar tudo na última hora, o banco está jogando nas costas dos dirigentes a responsabilidade”, pontuou o diretor da Fetrafi-RS, Fábio Alves.
O presidente do SindBancários, Luciano Fetzner, não poupou críticas à guinada na mesa temática de negociação sobre teletrabalho. Para ele, o banco montou uma estratégia de negociação com recuo programado nos momentos decisivos de desfecho da negociação. Luciano cobrou a postura combinada na reunião anterior de trazer uma redação muito bem encaminhada para que fossem realizados ajustes. Sem isso, não é possível levar proposta de acordo para avaliação em assembleia.
“A intenção do banco parece ser de interditar o debate. Está recuando em pontos que já estavam encaminhados. Desde o início, reivindicamos a questão dos quatro dias presenciais por mês para que as pessoas não fiquem escondidas e sejam esquecidas nas promoções e nas relações sociais. É uma questão de saúde. Agora o banco quer carta branca para botar quem quer e quantos dias quiser no teletrabalho. Também tínhamos alinhado que o banco ia pagar o semestre em janeiro e agora o banco traz essa de ‘home office eventual’. Sobre quitação, é pedida de carta branca em algo que é novo para todos nós. Da forma que foram apresentadas, essas mudanças são inaceitáveis”, ponderou Luciano.
O presidente do Sintrafi Florianópolis e Região, Cleberson Pacheco Eichholz, referiu a desagradável surpresa apresentada pelos representantes da diretoria na mesa de negociação. Para o dirigente de Santa Catarina, a síntese da reunião pode ser resumida no fato de que a direção do Banrisul não tem interesse em fechar o acordo, ao menos, neste momento.
“Não compreendi a intenção do banco. Viemos para fechar os detalhes finais do acordo e somos surpreendidos com novas propostas de redação. O banco passa a impressão de querer inviabilizar todo o processo de negociação. Propor desconto de R$ 2,66 por dia trabalhado presencialmente para quem está em home office beira o absurdo. Além disso, é complicado aceitar quitação judicial do desconhecido. Não podemos dar quitação em algo que não estava regulamentado, pois se alguém entender que teve prejuízo e comprovar o ocorrido é natural buscar no judiciário o direito que lhe convém”, pontuou Cleberson.
A diretora da Fetrafi-RS, Denise Falkenberg Corrêa, disse que as mudanças propostas pelo banco trarão dificuldades de implementação e de efetividade para os(as) empregados(as). O banco poderá se meter em uma grande confusão e causar dificuldades para si próprio.
“É desanimador e inaceitável, após discussões e negociações por um longo período, o banco recuar. Essa mudança de rumo apresentada pelo banco causará problemas administrativos, trabalhistas e de fluxo do trabalho. Acordos devem ter regras nítidas. Debater em seus detalhes é o melhor para ambos os lados. O acordo em aberto não é o melhor caminho a ser trilhado”, sentenciou Denise.
A diretora da Fetrafi-RS, Ana Maria Betim Furquim, lembrou de estratégia semelhante usada pela negociação do banco durante a Campanha Salarial 2020 perto do final do fechamento do Acordo Coletivo de Trabalho. Na ocasião, o banco chegou a propor em uma das últimas reuniões a retirada da 13ª Cesta Alimentação, uma conquista histórica da luta dos Banrisulenses.
“Não dá para entender. O valor da ajuda de custo ser calculada por dia trabalhado é um retrocesso. Imagina que, agora no verão, os colegas que estão em home office aumentaram muito o consumo de energia elétrica por casa do ar-condicionado. Não está nem sendo cobrado o que os colegas já gastaram”, asseverou Ana Betim.
Ponto Eletrônico
Dentro do espírito de que os acordos coletivos são fechados e, muitas vezes, não são cumpridos na ponta do sistema do Banrisul, os dirigentes insistiram, desde o início das negociações sobre o Acordo Coletivo do ponto eletrônico, que houvesse a previsão de aplicação de multa para quem burlasse a jornada de trabalho. O sentido é coibir chamados para reuniões antes ou depois da jornada de trabalho, sem o pagamento de horas extras, o uso simultâneo de mais de um terminal na mesma matrícula, uma burla cultural no Banrisul, e outras práticas ilegais. O banco anunciou na reunião da terça-feira, 12/1, que está tomando providências com instalação de novos mecanismos de controle do ponto junto a TI e que não aceita incluir na redação de acordo uma cláusula de multa. Os dirigentes firmaram posição de que o texto não contempla a inibição da burla do ponto e o respeito à jornada.
Série de reportagens
Como a Superterça de reunião, na terça-feira, 12/1, teve uma pauta muita extensa, os dirigentes sindicais tomaram a decisão de dividir a informação em três etapas. A primeira será a do teletrabalho e o ponto eletrônico. As próximas duas etapas serão publicadas nos próximos dias.
Confira os temas das próximas matérias da Superterça:
> Rvs, Cabergs e eleição para o Conselho de Administração (CA) do Banrisul.
> Dimensionamento de caixas fixos por agência e grupo de risco.
Como representantes dos Banrisulenses, também participaram da reunião: Mariluz Carvalho (SEEB Santa Cruz do Sul), Gerson Kunrath (SEEB Vale do Caí), Ana Maria Silva (SEEB Lajeado) e o assessor jurídico Milton Fagundes.
Como representantes do Banrisul, participaram da reunião: Fernando Perez (Negociador), Gaspar Saikoski (Superintendente de RH), Raí Mello e Douglas Bernhard (Jurídico).
Fonte: Imprensa SindBancários
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