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Silvia Medeiros

Lucros bilionários dos bancos em 2022 expõem abismo socioeconômico do país

Enquanto bancos lucraram R$ 106,7 bilhões no ano passado, cresceu o endividamento da população. Alta taxa de juros imposta pelo autônomo Banco Central é fator determinante para este cenário

Privilegiados pelo sistema econômico brasileiro, mesmo em um cenário de crescimento restrito, os cinco maiores bancos do país obtiveram um lucro líquido em 2022, de cerca de R$ 106,7 bilhões. É o que mostra o estudo “Desempenho dos bancos 2022”, elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicado esta semana.


O estudo, conduzido pela economista Vivian Machado, da subseção do Dieese na Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf-CUT), aponta que o montante acumulado pelos bancos se deu em cenário de manutenção da taxa básica de juros, a Selic, definida pelo Banco Central, em 13,75%.


A taxa de juros em patamar elevado – o Brasil tem a maior taxa do mundo – dificulta o crescimento da economia, a geração de emprego o provoca um aumento do endividamento das famílias brasileiras. Com juros mais altos, contas a pagar ficam mais altas, o que impacta diretamente no orçamento do brasileiro.


“De um lado os bancos acumulam altos lucros, um aumento de 9,25% em relação a 2021, e de outro um crescimento do endividamento das famílias, por conta dos altos juros”, afirma a economista.


De acordo com os dados do Banco Central, no ano de 2022 foi registrado um crescimento de 20,7% na utilização do crédito Pessoal Física. Grande parte desse resultado, 85%, vem da utilização do cartão de crédito, cujas taxas de juros do rotativo estão acima dos 410% ao ano.


“No ano passado observamos que as pessoas usaram muito o cartão de crédito para pagar as despesas domésticas e comprar comida para casa. E o endividamento das famílias acontece também por que elas acabam recorrendo ao parcelamento da fatura ou mesmo ao rotativo do cartão”, explica Vivian Machado.


Números do endividamento

A parcela de famílias brasileiras com dívidas (em atraso ou não) chegou a 78,3% em abril deste ano. A taxa é a mesma observada no mês anterior, mas está acima dos 77,7% de abril de 2022.


O aumento da inadimplência atingiu também a classe média, estrato social em que as contas ou dívidas em atraso aumentaram. As famílias inadimplentes de todas as classes socais chegam ao índice de 29,1% , abaixo dos 29,4% de março, mas acima dos 28,6% de abril de 2022. Os dados são da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada no início de maio pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).


A pesquisa mostra ainda que:

– Aqueles que não terão condição de pagar suas dívidas somaram 11,6%, percentual superior aos 11,5% de março e aos 10,9% de abril do ano anterior.

– A cada 100 consumidores inadimplentes em abril, 45 estavam com atrasos por mais de três meses.

– Do total de consumidores endividados, 86,8% têm dívidas no cartão de crédito e 9% com crédito pessoal.

Este quadro de endividamento tende a aumentar nos próximos meses. A previsão é que o percentual de 78,3% se mantenha nos próximos dois meses e suba para 78,4% em julho, segundo a CNC.


A roda da economia

O lucro dos bancos, afirma a economista, é resultado direto da manutenção da taxa de juros (Selic), ainda que os bancos tenham elevado seu provisionamento por causa da alta inadimplência e pelo escândalo das Americanas, que entrou na Justiça com pedido de recuperação judicial com uma dívida de cerca de R$ 40 bilhões. Os bancos são os principais credores das Americanas, e por isso, o risco de ‘calote’ foi elevado.


“É um dinheiro que sai do bolso dos clientes e vai parar no sistema financeiro. Com juros altos, os bancos elevam todas as taxas. E sai do governo também já que os bancos tem 30% dos títulos da dívida pública”, diz Vivian Machado.


Ela explica que os bancos ganham em diversas frentes como as operações de crédito, títulos de valores mobiliários e com os recursos que têm parados no Banco Central e rendendo juros. Com a Selic alta, todas as operações ficam mais caras aos devedores. Portanto, quem mais ganha são os bancos.


Vivian Machado diz ainda que enquanto isso acontece, a economia perece. “É um dinheiro que poderia estar circulando na economia, no bolso do trabalhador, comprando mais, com indústria produzindo mais, gerando mais empregos, mais arrecadação, mais investimentos públicos”.


Empregos

Enquanto bancos aumentam seus lucros, o emprego no sistema financeiro sofre uma transformação prejudicial aos trabalhadores. Em 2022, segundo os dados, 617 agências bancárias foram fechadas.


“O que temos visto é uma substituição de agência por unidades de negócios e agências digitais, que têm menos pessoas trabalhando no atendimento. Além da tecnologia que permite que as operações bancárias sejam virtuais, como os aplicativos de celular”, diz Vivian.


Por outro lado, ainda que o saldo de contratações tenha sido positivo no ano passado, são empregos em atividades não configuradas como ‘categoria bancária’. “Os bancos apostam há tempos na contração das fintechs [empresas especializadas em tecnologia voltada ao sistema financeiro] do que nos bancários em si”, diz Vivian.


A categoria bancária tem direitos garantidos e protegidos pela Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) negociada entre o Comando Nacional dos Bancários e a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban). Vivian Machado ressalta que, por este aspecto, a atuação dos bancos caracteriza um ‘esvaziamento’ da categoria com o propósito de reduzir encargos com direitos.


E é prejudicial também à população que precisa de atendimento. Exemplo os aposentados e idosos que têm dificuldade em lidar com a tecnologia. “São pessoas que dependem do atendimento bancário humano”, pontua a economista


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